terça-feira, 23 de março de 2010

A Função do Pacificador...













(Charge de Latuff)

quinta-feira, 11 de março de 2010

Reestreia Musical "BESOURO CORDÃO-DE-OURO"

Musical reestreia no Sesc Tijuca, dia 5/3.
"O espetáculo musical "Besouro Cordão-de-Ouro", de Paulo César Pinheiro e direção de João das Neves, retorna aos palcos cariocas dia 5 de março e segue até 25 de abril no Sesc Tijuca, com apresentações de sexta a domingo. O trabalho marca a estreia de Paulo César Pinheiro como dramaturgo. O grande poeta da MPB também compôs músicas e letras inéditas para o musical. "Besouro Cordão-de-Ouro" tem direção musical de Luciana Rabello.

"Besouro Cordão-de-Ouro" estreou no Centro Cultural Banco do Brasil/RJ em dezembro de 2006 e vem realizando uma trajetória de sucesso - foi indicado ao Prêmio Shell de Teatro de melhor direção, música e cenário, vencendo na categoria melhor música do ano de 2008; escolhido como um dos 10 melhores espetáculos de 2006 pela crítica de teatro Barbara Heliodora do jornal O Globo; indicado ao Prêmio Contigo de Teatro nas categorias de melhor espetáculo musical brasileiro e melhor cenário.

O espetáculo faz homenagem a Manuel Henrique Pereira, o Besouro Cordão-de-Ouro ou Besouro-Mangangá, maior capoeirista de todos os tempos da Bahia. São muitas as suas estórias contadas através de outros mestres capoeiristas conhecidos como Canjiquinha, Bimba, Barroquinha, Caiçara, Budião, Rosa Palmeirão, Dora das Sete Portas e Pastinha.

Besouro, nascido em Santo Amaro da Purificação, deixou seu nome gravado nas rodas de capoeira por esse Brasil inteiro. Metido em política, impunha respeito e temor aos poderosos daquele princípio de século XX na velha Bahia. Sua vida virou lenda. Além de capoeirista, também tocava violão e compunha sambas-de-roda e chulas. Existe um samba, chamado Canto do Besouro, cujos versos de sua autoria "Quando eu morrer/Não quero choro nem vela/ quero uma fita amarela/ gravada com o nome dela" fazem parte do samba conhecido de Noel Rosa, no qual nosso poeta escreveu a segunda parte. Esse refrão também foi usado por Paulo César Pinheiro em Lapinha (com Baden Powell) - sua primeira música gravada e sucesso na voz de Elis Regina - com a qual venceu um dos mais concorridos festivais de música popular, a Bienal do Samba, da TV Record, em 68, hoje um clássico da MPB.

O palco - que se transforma numa grande roda de capoeira com atabaques, berimbaus, pandeiros e caxixis numa transposição do jogo da capoeira ¿ tem cenário de Ney Madeira (indicado ao Prêmio Shell de Teatro por este trabalho). Caixotes de madeira perfurados lembram um mercado, balaios espalhados pelo chão funcionam como poltronas e painéis com versos das letras das músicas do espetáculo, inspirados no poeta Gentileza, transfiguram com teatralidade o ambiente dos personagens, fazendo com que a platéia participe das cenas. Em meio a este clima, se contrapõem os figurinos envelhecidos pelas mãos de Rodrigo Cohen.

O elenco, todo composto de atores negros, foi escolhido em workshops realizados no CCBB, onde aconteceu a primeira montagem: Alan Rocha, Anna Paula Black, Cridemar Aquino, Letícia Soares, Valéria Mona, Iléa Ferraz, Raphael Sil, William de Paula, Wilson Rabelo, Marcelo Capobiango, Maurício Tizumba e Sérgio Pererê - os dois últimos vindos especialmente de Belo Horizonte para atuar no espetáculo. Maurício Tizumba e Sergio Pererê são músicos, cantores, compositores e atores. Tizumba tem quatro CDs lançados (o último, Moçambique, é de 2003) e, além de atuar e dirigir a Cia. Burlantins, fez o espetáculo Grande Otelo - Êta Moleque Bamba e, mais recentemente, a nova montagem do musical infantil de Os Saltimbancos, de Chico Buarque. Já Pererê lançou seu primeiro CD, Linha de Estrelas, e participa também do grupo Tambolelê, além de atuar no filme Besouro como o orixá Ossaim. No elenco, estão também dois capoeiristas cariocas.

Os atores contaram com dois grandes mestres na preparação corporal e coordenação de capoeira, Mestre Casquinha e Mestre Camisa, para transmitir-lhes os princípios desta arte ancestral e futura, que é a expressão da liberdade de um povo e deve ser praticada com reverência.

Além da música Lapinha, que dá o mote ao musical e ganhou oito novos versos especialmente para o espetáculo - um para cada personagem -, novas canções estão no espetáculo. São dez no total, feitas para cada toque do berimbau: Jogo de Dentro, Jogo de Fora, São Bento, Angola, Cavalaria, Benquela, Barravento, Iúna, Samango, Santa Maria e Besouro.

O espetáculo mostra, de maneira lúdica, a trajetória, filosofia, prática e música do mestre Besouro - um personagem brasileiro, tão rico e pouco explorado - e conta um pouco da história do Brasil e da nossa formação, com suas raízes culturais na música, na dança e no ritual. Besouro é um símbolo do Brasil, símbolo de coragem, qualidade, criatividade e resistência; um símbolo da cultura que forma o ser brasileiro.

- Paulo César Pinheiro teve o cuidado de humanizar a figura de Besouro, sem mitificá-lo. Então, este espetáculo é importante para o reconhecimento da cultura negra, resgatando estas figuras tidas como desordeiras e retratando-as com sua verdadeira face. Mostra mais profundamente a complexidade das relações dos descendentes de escravos e a sociedade brasileira. Este espetáculo, no fundo, resgata todas as etnias brasileiras e a forma de resistir com altivez - observa o diretor João das Neves.

Esta é mais uma realização da JLM Produções, cujo universo de atuação também está ligado à história musical do país, como nos musicais Obrigado, Cartola!, As Robertas - Loucas pelo Rei e Gota da D"Água, no show Bituca - O Vendedor de Sonhos, também com direção de João das Neves, no projeto acadêmico Jongos, Calangos e Folias: Memória e Música Negra em Comunidades Rurais do RJ - que desenvolveram em parceria com a Petrobras e UFF -, além dos espetáculos Um Homem Célebre e Carolina, em homenagem ao escritor Machado de Assis.

Trajetória do espetáculo

"Besouro Cordão-de-Ouro" seguiu, após a estréia em palcos cariocas, pelos três anos posteriores, em apresentações por todo o país: fez temporada na Casa França Brasil/RJ e Sesc Pompéia/SP, participou dos maiores festivais de teatro do Brasil como o Festival de Teatro de Curitiba - FTC/PR, Festival de Artes Negras ¿ FAN/MG, Festival Internacional de Teatro de Londrina ¿ FILO/SC e Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto ¿ FIT/SP. Foi convidado para o Circuito Palco Giratório pelo Sesc Nacional se apresentando nas unidades do Sesc de Fortaleza, Cuiabá, Recife, Porto Alegre, Brasília, Araraquara, Santos, Salvador e Rio de Janeiro. Apresentou-se também na Caixa Cultural de Brasília e Curitiba e no Circuito Cultural do Banco do Brasil em Fortaleza, além de se apresentar na comemoração do aniversário da Fundação Palmares pela secretaria de cultura de São Paulo."

Sesc Tijuca
De 5/3 a 25/4,
De Sexta a domingo, 20h.
R$ 4 (comerciários)
R$ 8 (estudantes, idosos)
R$ 16. [livre]
Endereço
Rua Barão de Mesquita, 539
Telefone
(21) 3238-2100/Fax: (21) 2570-4178


Como chegar:

Para quem vem de metrô
Na bilheteria, peça pelo bilhete Integração Andaraí, Grajaú ou Muda.
Embarque no metrô sentido Zona Norte e desça na última estação: Saens Peña.
Embarque no ônibus integração (413A-Muda) e quando o ônibus entrar na Rua Barão de Mesquita desça no primeiro ponto.
Caso prefira não embarcar na integração, saia da estação e siga pela Rua General Roca, sentido contrário ao tráfego. Na última rua à esquerda, siga no sentido Andaraí/Grajaú pela Rua Barão de Mesquita.
As linhas 607 e 238 também podem ser uma opção pra quem vem de Metrô linha 2 e desce no Estácio.

Para quem vem de ônibus
Centro: linha 238 (mergulhão/Lapa) - desça no segundo ponto da Rua Barão de Mesquita.
Mergulhão (Praça XV): linha 413 Muda (217-Andaraí/226-Grajaú) - descer no primeiro ponto da Rua Barão de Mesquita) e linha 415 - descer na Praça Saens Peña e vir andando no sentido Rua General Rocca. Dobrar à esquerda e seguir adiante.
Outra opção é descer mais à frente na esquina da Rua José Higino e seguir andando até o final e dobrar à esquerda. Ao lado do bar - Sol Nascente - já é o SESC Tijuca.
Linha 422 - Descer assim que passar do Shopping Tijuca, na Rua Barão de Mesquita (perto do posto de gasolina, depois do Batalhão). Seguir pela Rua Barão de Mesquita até chegar ao SESC, número 539.

Rodoviária Novo Rio: linha 606 Engenho de Dentro - ponto final atrás da Rodoviária Novo Rio, passar pela Leopoldina e seguir pela Praça da Bandeira, São Francisco Xavier, Mariz e Barros, Almte. Cochrane, Conde de Bonfim, José Higino e Barão de Mesquita. Linhas 233 e 234 (via Alto) também param na Praça Saens Peña e na esquina da Rua José Higino, depois é só seguir as mesmas instruções da linha 415.

Para quem vem do Centro e já está na Presidente Vargas ou na Praça Mauá, a linha 220 faz o mesmo caminho da linha 415.
As linhas 226 e 217 saem da Carioca e param no mesmo ponto do 413, na porta do SESC.
Alguns bairros da Zona Norte:
Abolição: linha 638.
Cachambi: linha 623, em frente ao Norte Shopping, sentido Saens Peña.
Cascadura: linha 607.
Jacarepaguá: linhas 601 e 636.
Jardim América: linha 639, o ponto final é na Rua Barão de Mesquita.
Madureira: linhas 638 e 636.
Marechal Hermes: linha 638.
Méier: linhas 627, 625, 607 e 606 na Dias da Cruz.
Olaria: linha 625.
Penha: linhas 623, 488L - Caxias/Usina, linhas 621, 622, 630 (o ponto final é na Igreja Santo Afonso).
Piedade (Av. Suburbana): linha 638.
Pilares: linha 627.
Alguns bairros da Zona Sul:
Gávea/ Jardim Botânico/ Botafogo: linhas 410 ou 409.
Laranjeiras / Largo do Machado: linha 422.
Niterói e São Gonçalo
A linha 423 São Gonçalo/Vila Isabel também para na porta do SESC, no primeiro ponto da Rua Barão de Mesquita.
Para quem vem de Niterói, o ideal é pegar a Barca e depois o ônibus no mergulhão (ver indicação acima).
Barra
Linhas 233 (via Avenida Sernambetiba), 234 e 225 (via Av. das Américas) param na esquina da Rua José Higino e na Praça Saens Peña. Depois é só seguir as mesmas instruções da linha 415.

Para quem vem de trem
Descer na estação Central do Brasil e pegar o 217 Carioca / Andaraí na pista do meio da Av. Presidente Vargas, sentido Zona Norte ou 413 Muda (descer no primeiro ponto da Rua Barão de Mesquita).
Outra opção é o 415: descer na Praça Saens Peña e andar no sentido da Rua General Rocca, dobrar à esquerda e seguir adiante. Ou descer mais à frente na esquina da Rua José Higino, seguir até o final e dobrar à esquerda. Ao lado do bar - Sol Nascente - está o Sesc Tijuca.

Para quem vem de barca
Quem vem de barca, deve descer na Praça XV e pegar o 238 no ponto final ou o metrô na estação Carioca ou o 413 Muda (saltar no primeiro ponto da Rua Barão de Mesquita). Também pode pegar o 415, descer na Praça Saens Peña e seguir no sentido Rua General Rocca. Dobrar à esquerda e seguir adiante. Outra opção é descer mais à frente na esquina da Rua José Higino, ir até o final e dobrar à esquerda. Ao lado do bar - Sol Nascente - está o Sesc Tijuca.



Extraído de
http://www.sescrio.org.br/main.asp?View={3C727F1D-636C-4ADC-A17E-CB2424272525}&Team=&params=itemID={36D9A204-B643-455F-B0E0-E9D735DE649F}%3BCategory={36D9A204-B643-455F-B0E0-E9D735DE649F}%3B&UIPartUID={FBCCD680-31A7-4DA9-8473-72D9B9C39EEC}

quarta-feira, 10 de março de 2010

CIA Os Crespos traz ao RJ "Ensaio Sobre Carolina"










"Chega ao Rio de Janeiro a peça “Ensaio sobre Carolina”, da Cia. Teatral Os Crespos. O texto aborda questões como fome, miséria, preconceito e relações raciais, criado a partir do “Quarto de Despejo”, da escritora negra Carolina de Jesus.

A Cia. Teatral Os Crespos surgiu, em 2.005, nas dependências da mais tradicional escola de interpretação, a Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo (USP), em atividade desde 1948. Era um grupo de alunos-atores negros dentro de uma instituição com modelo elitista e desconectada da realidade étnico-racial do país.
A montagem, sob a direção de José Fernando de Azevedo – especialmente convidado pelo grupo -, utiliza a dança, o canto e o corpo como linguagem. A Cia surgiu na EAD (Escola de Arte Dramática da USP), numa turma de alunos onde cinco integrantes eram negros. Houve uma organização desses alunos, que tinham em comum a vontade de discutir a sua formação e como foco estudar a história do negro nas artes cênicas no Brasil, numa instituição em que essa discussão não existia.


O Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus, pareceu um bom ponto de partida para trazer à cena questões que, na história, são apresentadas através da fala de uma negra favelada: o olhar e o discurso da catadora de papel sobre sua realidade e o convívio na sociedade brasileira. Para o grupo, Ensaio Sobre Carolina “é o discurso de atores negros sobre os vestígios dos dias na vida das Carolinas na cidade”.
Elenco – Cia. Teatral Os Crespos (Gal Quaresma, Lucélia Sérgio, Mawusi Tulani, Sidney Santiago e Tairone Porto) "
Temporada: 6 de março à 25 de abril
Local:
Espaço 1 Teatro do Anônimo- Fundição Progresso
Rua dos Arcos, 24 -Lapa
Informações: 2524-0930 /2240-2478
Sábados às 20h
Domingo às 19h
Ingresso : R$10,00


Extraído de
http://www.pretaaporter.com/2010/02/cia-os-crespos-traz-espetaculo-ao-rj.html

terça-feira, 9 de março de 2010


(Charge de Pestana)

Destruir a obra

Miriam Leitão











É a temporada. Tempo de sofismas e argumentos tortos. Tempo das mesmices repetidas com ares de descobertas recentes. Hora de escapar do debate sobre a questão racial brasileira. Não precisava ser assim. Podia ser um tempo de avanços. Mas os que negam o racismo brasileiro preferem esse cerco à inteligência, ao óbvio, ao progresso.


Num ambiente negacionista, foi um alívio ouvir as explicações simples e diretas da secretária de Estado americana Hillary Clinton na Faculdade Zumbi dos Palmares, onde escolheu debater com estudantes. Hillary defendeu as ações afirmativas dizendo que, com elas, os EUA estão deixando para trás os vestígios da escravidão:

— Temos feito um grande progresso com as ações afirmativas em aumentar as oportunidades na educação, no emprego para os afro-americanos. Elas são o reconhecimento de que as barreiras históricas criam um funil que impede o acesso do grupo discriminado a níveis superiores de educação. É preciso alargar a entrada e deixar mais gente entrar. O talento é universal, mas as oportunidades, não. O acesso na universidade não é, no entanto, a garantia da graduação.

Hillary contou que, como professora de Direito, percebeu que muitos alunos que entraram por ação afirmativa tiveram dificuldades maiores pelas falhas da educação anterior. Ela se dedicou a esses alunos no sistema tutorial:

— Simplesmente não podemos aceitar os estudantes na universidade para deixar que eles falhem. Eles têm que ser ajudados.

O sistema americano é diferente do nosso, mas discriminação é parecida em qualquer país do mundo. Ela barra com obstáculos sutis ou explícitos, negados ou assumidos, a ascensão de grupos discriminados por qualquer motivo, racismo, sexismo, ou outras intolerâncias. Lá, eles não têm cotas, não têm vestibular; o sistema, como se sabe, é o de application, o de se candidatar a uma vaga apresentando suas credenciais escolares. Ao avaliar quem entra, as escolas dão pontuação maior a quem vem de um grupo discriminado. Cada universidade tem um critério, um método e uma meta diferente, mas todas buscam um quadro de alunos com diversidade. Os alunos com menos chance de estar lá têm preferência nas bolsas para as caríssimas universidades privadas americanas.

— Estou muito orgulhosa das conquistas dos últimos 50 anos do movimento dos direitos civis, pelos que lutaram como Martin Luther King e outros, mas não posso dizer que o meu país não tem racismo, não tem sexismo — disse a mulher que comanda a mais poderosa diplomacia do mundo e é chefiada por um negro, que preside o maior país do mundo. Ela não vê a sua ascensão, nem a do presidente Obama, como provas de que não há barreiras para negros e mulheres.

Essa sinceridade é encantadora porque é rara no Brasil. Esse reconhecimento da existência do problema, e de que ele é vencido por ações concretas de políticas públicas e de empresas, dá esperança.

No Brasil, o esforço focado nos negros é chamado de discriminação. E os brancos pobres? Perguntam. Eles estão também nas ações afirmativas, e nas cotas, mas o curioso é que só se lembre dos brancos pobres no momento em que se fala em alguma política favorável a pretos e pardos.

É temporada da coleção de argumentos velhos que reaparecem para evitar que o Brasil faça o que sugeriu Joaquim Nabuco, morto há 100 anos, em frase memorável: “Não basta acabar com a escravidão. É preciso destruir sua obra.”

Diante de qualquer proposta para reduzir as desigualdades raciais, principal obra da escravidão, aparece alguém para declamar: “Todos são iguais perante a lei.” E são. Mas o tratamento diferenciado aos discriminados existe exatamente para igualar oportunidades e garantir o princípio constitucional.

O senador Demóstenes foi ao Supremo Tribunal Federal com um argumento extremado: o de que os escravos foram corresponsáveis pela escravidão. “Todos nós sabemos que a África subsaariana forneceu escravos para o mundo antigo, para a Europa. Não deveriam ter chegado na condição de escravos, mas chegaram. Até o princípio do século XX, o escravo era o principal item de exportação da pauta econômica africana.”

Pela tese do senador, eles exportaram, o Brasil importou. Simples. Aonde o crime? Tratava-se apenas de pauta de comércio exterior. Por ele, o fato de ter havido escravos na África; conflitos entre tribos; tribos que capturavam outras para entregar aos traficantes, e tudo o mais, que sabemos, sobre a história africana, isenta de culpa os escravizadores. Trazido a valor presente, se algumas mulheres são vítimas de violência dos maridos, isso autoriza todos a agredi-las. Ou se há no Brasil casos de trabalho escravo e degradante, isso permite aos outros povos que façam o mesmo conosco. Qual o crime? Se brasileiros levam outros brasileiros para áreas distantes e, com armas e falsas dívidas, os fazem trabalhar sem direitos, qualquer povo pode escravizar os brasileiros.

O senador Demóstenes é um famoso sem noção e com ele não vale a pena gastar munição e argumentos. Que ele fique com sua pobreza de espírito. O que me incomoda é a incapacidade reiterada que vejo em tantos brasileiros de se dar conta do crime hediondo, do genocídio que foi a escravidão brasileira. Não creio que as ações afirmativas sejam o acerto com esse passado. Não há acerto possível com um passado tão abjeto e repulsivo, mas feliz é a Nação que reconhece a marca dos erros em sua história e trabalha para construir um futuro novo. Feliz a Nação que tem, entre seus fundadores, um Joaquim Nabuco, que nos aconselha a destruir a obra da escravidão.


(Miriam Leitão, O Globo, página 28, 07/03/2010)

O Tom da Cor

Miriam Leitão













Só há o pós, depois do antes. Só se chega, depois da caminhada. Só se reúne o que esteve separado. Entender a diferença não é querê-la, pode ser o oposto. A imprensa brasileira, tão capaz de ver as desigualdades raciais nos Estados Unidos, tão capaz de comemorar um presidente negro, prefere, em constrangedora maioria, o silêncio sobre a discriminação no Brasil.

Lendo certos artigos, editoriais e escolhas de edição sobre a questão racial no Brasil, me sinto marciana. Sobre que país eles estão falando, afinal? Com que constroem argumentos e enfoques tão estranhos? Por que ofender com o espantosamente agressivo termo “racialista” quem quer ver os dados da distância entre negros e brancos no Brasil? Não é possível estudar as desigualdades sem pesquisar as diferenças entre os grupos. Não se estuda sem dados. No Brasil, há quem se ofenda com a criação de critérios para levantar os dados de cor como se isso fosse uma ameaçadora “classificação racial”.

Veja-se a cena que está nas abundantes e belas imagens da vitória americana. Há várias tonalidades de pele no grupo que se define como afro-americano. Aqui, sustenta-se que miscigenação é exclusividade nossa e que ela eliminou as diferenças. Os pardos (ou mulatos, como alguns preferem) e os pretos (como define o IBGE) estão muito próximos em inúmeros indicadores e estão muito distantes em relação aos brancos. Medir a distância que ambos têm em relação aos brancos não é uma forma perversa de negar a miscigenação. Medida à distância, é preciso conhecer suas razões. Só assim é possível construir as pontes que ligam as partes.

O presidente Barack Obama fez a campanha por sobre as diferenças raciais, por vários motivos. Primeiro, por estratégia eleitoral: falava para um país majoritariamente branco. Qualquer candidato que escolha apenas um grupo perde a eleição. Ganha-se a eleição construindo- se coalizões. Ele formou a dele com os 90% de votos dos negros, 60% de votos dos latinos e 45% de votos dos brancos. Como há muito mais brancos no país, em termos numéricos, recebeu em termos absolutos mais votos dos brancos. Vitória americana sobre sua própria História.

Outro motivo é que ele veio “após”. Ele não precisava do discurso de reivindicação de direitos, porque ele já foi feito na gloriosa caminhada que conquistou tanto. Um esforço que exige novos passos, mas que é extraordinariamente bem-sucedido.

Obama não precisava acentuar sua condição de negro. Ele é. Por isso, os jornais do mundo inteiro comemoraram “o primeiro presidente negro”. Ele também é filho de branco, mas por que isso não causa espanto? Ora, porque os brancos são a etnia dominante. A novidade está em sua origem negra. O jornalismo destaca o novo, e não o fato banal.

Certas análises no Brasil se perderam em encruzilhadas, tentando adaptar os fatos a suas interpretações do que sejam as diferenças entre os dois países. Lá e cá houve e há discriminação. Lá, não negaram e evoluíram. Aqui, nos perdemos em questiúnculas desviantes, quando o central é: há desigualdades raciais e elas são intoleráveis. Pessoas que pensam assim se esforçam para entender as razões e as raízes das desigualdades, se debruçam sobre os dados, não negam problema existente. A libertação vem da verdade conhecida.

Quem não sabe, a esta altura, que o conceito de “raça” é falso? É bizantino repetir isso. Discutir a desigualdade racial não é a forma de “racializar” o país, mas sim constatar um problema, criado sobre um artificialismo, e que exige superação. Racializado ele já é, com esta vergonhosa ausência dos negros (pretos e pardos), de todos os círculos, do poder no Brasil.

Comemorar a vitória em terra alheia, negando a existência da derrota em casa, é uma escolha que tem sido feita com insistência no Brasil. Na festa de Obama, isso se repetiu. Aqui se vai da negação do problema à condenação de todo tipo de instrumento usado para enfrentá-lo. Tudo é acusado de ser “racialista”: constatar as desigualdades, apontar suas origens na discriminação, tentar políticas públicas para reduzi-las. Argumentam que temos que melhorar a educação pública. Claro que temos, sempre tivemos. É urgente que se faça isso. Alguém discute isso?

A diferença entre a forma como o racismo se manifesta nos Estados Unidos e no Brasil não pode ser usada para perdoar o nosso. Aqui, vicejou a espantosa idéia da escravidão suave, como viceja hoje a idéia de que temos uma espécie de “racismo benigno” ou “apenas” uma discriminação social que atinge os negros pelo mero acaso de serem eles majoritários entre os pobres. São palavras que se negam. Este tipo de violência não comporta o termo “benigno”, como nenhuma escravidão pode ser suave, por suposto.

Segunda-feira vou ao Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais da UFRJ ver o lançamento do Mapa Anual das Desigualdades Raciais. Vou para olhar de novo os dados, conversar de novo com negros e brancos que estudam o assunto, aprender mais um pouco, procurar, esperançosa, algum avanço. Não acho que essa é uma conversa perturbadora da nossa paz social. Não acredito na paz que nega o problema. Acho lindo o sonho dos americanos, mas quero sonhar o meu.

(Miriam Leitão, O Globo, 7/11/2008)


segunda-feira, 8 de março de 2010